Há pessoas que nos marcam para sempre. Que nunca esquecem, dê o mundo as voltas que der ou demos nós as voltas que dermos ao mundo. Na minha vida, Ary dos Santos foi uma dessas pessoas. Deixou-nos faz hoje 30 anos.
Acho que a primeira vez que ouvi falar dele foi
em 1969, aquando da campanha para as eleições legislativas que os fascistas
realizaram, com o único objectivo de tapar os olhos ao povo. Mais ou menos como
agora acontece, por parte dos que se dizem democratas. Estávamos na Primavera
Marcelista. Era eu um jovem de 17 anos, que colaborava como podia na campanha
da CDE (Comissão Democrática Eleitoral), cujos membros se candidatavam contra a
União Nacional, o partido de Marcelo Caetano.
Um dos nomes que sobressaía nessa campanha, não como candidato, mas como
apoiante da CDE era, exactamente, o de José Carlos Ary dos Santos, um homem de
32 anos que escrevia poesia desde os quinze ou dezasseis. E a sua poesia
dava-nos força para, correndo os óbvios riscos, lutarmos contra um regime que
nada tinha de bom.
Mas a força do Ary era maior que a de nós todos juntos, como relata António
Abreu, no Blogue “Antreus”:
“Os comícios e sessões da CDE eram acompanhados pela polícia que impunha a sua
presença. E acabavam mal com esta a intervir por os oradores não se cingirem ao
que eles aceitavam. A guerra colonial, como o Tengarrinha refere, vinha no
final das sessões pela sua própria boca e...as sessões acabavam.... Mas às
vezes...
No Teatro Vasco Santana a sala está repleta. Candidatos na mesa serão os
oradores. Mas eis que Ary avança com o seu conhecido poema "SARL".
Di-lo, como calculamos, a subir da sua baixa estatura à estatura de um gigante.
O Maltez Soares manda encerrar a sessão. O Ary sai do palco, dirige-se a ele e
continua a dizer o poema em voz alta porque o som tinha sido cortado. O Maltez
recua e grita "Se não saem, atiro para aí uma granada!...". Acabou
por atirar a polícia de choque contra as pessoas à saída.”
Das coisas que mais me orgulho, ainda hoje, é do facto de, nesse ano de 1969,
na minha aldeia, ter ganho as eleições o partido que era contra o governo.
Coisa inédita, que só aconteceu, nesse mesmo ano, numa outra freguesia, perto
de Lisboa. A força do Ary dos Santos deu-me força para ajudar a que isso
acontecesse. Um ano e meio antes, tinha acontecido, na França, o “Maio de 68”,
que serviu de inspiração a muitos jovens portugueses. Em 69, os estudantes de
Coimbra começavam a revoltar-se contra o sistema. Era o princípio do fim do
regime fascista. Começaram a surgir muitos poetas e cantores de intervenção.
Mas, hoje, recordo o Ary, porque faleceu há, exactamente, 30 anos.
José Carlos Ary dos Santos nasceu em Lisboa, no dia 7 de Dezembro de 1937 e
veio a falecer na mesma cidade, a 18 de Janeiro de 1984.
Viveu, quase sempre, na Rua da Saudade. E deixou muitas saudades.
A sua obra permanece na memória de todos e, estranhamente (ou talvez não),
muitos dos seus poemas continuam actualizados.
Poema “Não passam mais”,
de José Carlos Ary dos Santos
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